sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

52 de história do D.A.L.A

Ensino Público, Gratuito e de Qualidade: a luta dos estudantes da Famesf na concretização de um sonho

52 anos de histórias do Diretório Acadêmico Livre de Agronomia


Texto: Sheila Feitosa
Fotos: Sheila Feitosa e Arquivo Pessoal
Núcleo de Assessoria de Comunicação do DTCS/UNEB
                                                                                           ascom.dtcs3@uneb.br

Caracterizada por promover no Brasil um regime de repressão, censura e perseguição a Ditadura Militar deixou, nas décadas de 1960, 70 e 80 fortes marcas na política e na sociedade brasileira e foi responsável por alavancar uma mobilização dos estudantes que trouxeram para a população o debate sobre questões importantes como a reforma universitária e a luta contra a privatização do ensino superior no país.

Dois anos antes de toda essa efervescência política, em 1962, estudantes do interior do Vale do São Francisco lutavam por melhorias no ensino superior. Estes discentes da cidade de Juazeiro, no interior da Bahia, reivindicavam questões para a melhoria da estrutura física e do ensino da Faculdade de Agronomia do Médio São Francisco (FAMESF) atual Departamento de Tecnologia e Ciências Sociais (DTCS).

Desse entusiasmo surgiu, nesse mesmo ano, o Diretório Acadêmico Manoel Novaes (DA), composto por dez alunos da primeira turma do curso de Agronomia. O DA era responsável por representar os discentes na instituição e nos movimentos estudantis. As primeiras atividades do diretório estão registradas na primeira ata de reuniões, guardada até hoje na sala do Diretório Acadêmico. A ata de capa marrom, folhas amareladas e com leves avarias provocadas pelo tempo, conta com assinaturas da primeira diretoria que teve início com o seguinte escrito:

 “Aos dez dias do mês de abril de mil novecentos e sessenta e dois, às vinte horas, no edifício sede da Sociedade Beneficente dos Artífices Juazeirenses, primeiro andar, na sala em que se ministrou as aulas teóricas da nossa Faculdade de Agronomia do Médio São Francisco (FAMESF), realizou-se a primeira  sessão ordinária para assembleia geral  para eleições do primeiro mandatário do Diretório Acadêmico  Manoel Novaes, órgão representativo da instituição de ensino superior”.

Hylânia Duarte, primeira mulher integrar a diretoria do DA

A ex-aluna da Famesf, Hylânia Duarte, que em 1983 integrou o quadro docente do curso de Agronomia, lembrou o período em que atuou como secretária no Diretório. Ela relatou que a primeira eleição foi realizada de forma direta e o presidente escolhido foi o estudante Nelson Cerqueira Muniz. Nessa época, as reuniões eram realizadas no Clube Sociedade Artífices Juazeirense, local onde funcionava a Escola de Agronomia desde 1960.

PRIMEIRA CONQUISTA- Em 31 de março de 1964 teve início o Regime Militar no país que alavancou muitos protestos e reivindicações contrárias as ações dos militares. A ditadura não intimidou os estudantes da Famesf que, mesmo sob pressão, se reuniam para discutir possíveis mudanças na faculdade.

Em um desses encontros, o presidente do DA, Jeremias Cauby, e um professor da Escola de Agronomia foram presos, acusados de subversão. “Isso ocorreu depois que um olheiro do governo militar fotografou o encontro e enviou as fotos para a capital Salvador. Logo após, os dois foram presos e levados para uma fazenda, próximo à cidade de Terra Nova, em Pernambuco”, relatou Hylânia

A faculdade ainda estava nascendo e haviam alguns problemas que aos poucos foram sendo superados. De acordo com Hylânia, uma das principais pautas de reivindicações do Diretório era a aquisição de um veículo que os transportassem para outras cidades, possibilitando a realização de aulas práticas fora de Juazeiro. E as reivindicações deram frutos. Em 1965 foi feita a aquisição do primeiro ônibus da faculdade, batizado pelos alunos de "O Bororó", que levou os estudantes da primeira turma a uma viagem à cidade de Montevidéu, no Uruguai.

ENSINO PÚBLICO, GRATUITO E DE QUALIDADE - A ação estudantil no país era representada por algumas organizações como: os Diretórios Centrais Estudantis (DCEs), as Uniões Estaduais de Estudantes (UEEs) e a União Nacional dos Estudantes (UNE), que foram reprimidas pelos militares por protagonizarem protestos contra a privatização do ensino superior no Brasil e a favor da democracia. Em juazeiro, o movimento estudantil, liderado pelos discentes da Famesf, segundo relatos dos ex-alunos da época, parecia não temer  as ações do regime militar e permaneceram lutando por melhorias na Instituição. 

Na faculdade, o Diretório Acadêmico Manoel Novaes estava passando por algumas mudanças. As primeiras foram na nomenclatura e na forma como eram eleitos os presidentes. O ex- aluno da turma de 1979 e ex-presidente do DA, Antônio Fernando Dantas, contou que a diretoria, até o ano anterior, era escolhida de forma indireta. Depois foram realizadas eleições diretas e passou a se chamar Diretório Acadêmico Livre de Agronomia (D.A.L.A).

Os estudantes fizeram uma série de reivindicações em prol da melhoria da Instituição
O ex presidente do DA Antônio Fernando Dantas com a segunda edição do jornal Tiririca
 . Segundo Fernando, algumas delas foram: a criação de um restaurante universitário; a construção do prédio da residência estudantil; concurso público para os professores; livros novos para a antiga biblioteca, que ficava nas salas em baixo do prédio do Auditório Principal do DTCS; e a construção do novo prédio da biblioteca.

Outra pauta também discutida pelos alunos foi a reformulação do currículo do curso de Agronomia. “Começamos a procurar a grade curricular das faculdades de todo o país. Comparamos com o nosso e discutíamos o que o curso precisava”, relatou com entusiasmo o ex-aluno Fernando.

Ele também contou que houve um período em que se pensava em trazer, para a região, um curso de Licenciatura em Agropecuária, ofertado pelo Centro de Ensino e Tecnologia da Bahia (CETEBA), na cidade de Ilhéus. O problema, segundo Fernando, era a não gratuidade do curso e havia o receio de que o ensino na Famesf fosse privatizado. “Fizemos uma mobilização e pregávamos as seguintes bandeiras: ensino público, gratuito e de qualidade. Após os nossos protestos o curso veio para a região de graça”, explicou aos risos Fernando. 

GREVE ESTUDANTIL - Na década de 1980 os estudantes reivindicavam a construção do prédio da residência estudantil. O ex-aluno da Famesf Hugo Pereira de Jesus militou junto ao D.AL.A. O ex-aluno contou que os estudantes com o apoio do Diretório e realizaram uma greve que durou um mês. O movimento foi considerado pelos estudantes como a primeira greve universitária no interior da Bahia, no período da ditadura militar. Para que o movimento tivesse repercussão, os discentes levaram suas pautas para Secretaria de Educação do Estado.

Ex-aluno Hugo Pereira relembra os momentos e aventuras vividas no DA no período em que foi vice-presidente

“Enfatizamos na capital a questão da qualidade do ensino e a necessidade que a faculdade tinha de melhorias. Voltamos para Juazeiro e começamos a pensar formas de divulgar a greve para ganhar opinião pública. Assim a população da cidade passou a conhecer os problemas que existiam dentro da Famesf”, relatou o ex-aluno.

Dois veículos de comunicação da região foram importantes, segundo Hugo, para a divulgação da greve dos estudantes: a Rádio Juazeiro e a Emissora Rural, da vizinha cidade de Petrolina, Pernambuco. “Recorríamos muito à imprensa. Divulgávamos, nas duas rádios, as nossas reivindicações, os eventos culturais e foi uma das coisas mais interessantes que, mesmo em período de censura, conseguimos fazer”, contou.  

EVENTOS CULTURAIS – Com a ideia de atrair o público juazeirense à Famesf, os estudantes realizavam, no Auditório Principal do Campus III, apresentações teatrais e festivais de música com artistas locais. Chegaram a escrever duas peças inspiradas no teatro de rua de Augusto Boal. Um dos episódios que Hugo considerou marcante foi o show com o cantor de axé Carlos Pita. Ele contou que o cantor e a banda perderam o ônibus em Salvador e para chegar a tempo no show, pegaram um táxi da capital para Juazeiro.  “Foram dez horas de viagem. O auditório estava lotado. Pagamos o taxi de ida e volta, o cachê combinado ao cantor e ainda tivemos um bom lucro. Foi o primeiro grande evento que fizemos”, disse.  

JORNAL TIRIRRICA- Ainda na década de 1980, o D.A.L.A produziu um periódico, vendido a um valor simbólico, que teria em seu conteúdo discussões sobre agricultura alternativa, qualidade do ensino, piadas, cordéis e charges com desenhos feitos pelos próprios discentes. Segundo o ex-aluno Antônio Fernando Dantas a ideia era que jornal se tornasse uma ponte entre os estudantes novatos e veteranos e que estes pudessem conhecer era discutido no DA.

Ao folear as páginas do periódico, Fernando relembrou que o primeiro exemplar do jornal saiu propositalmente sem título. Foi realizado um concurso onde os estudantes da Famesf pudessem escolher o nome do informativo e Tiririca foi o título vencedor dado por um estudante chamado Genaro, cujo sobrenome não foi divulgado. O nome foi comparado a uma planta espontânea que é difícil de ser erradicada e o vencedor recebeu como prêmio a assinatura gratuita do jornal.

As impressões do Tiririca eram realizadas no mimeógrafo da diocese de Juazeiro e circulou na Famesf até a década de 1990.    

DOM JOSÉ RODRIGUES - O bispo da diocese de Juazeiro Dom José Rodrigues teve importância fundamental nos movimentos realizados pelos alunos da Famesf. Nessa mesma década os estudantes realizaram um protesto na cidade a favor da permanência, no país, do presidente da UNE, Javier Alfaya, que corria o risco de ser deportado por possuir nacionalidade espanhola.  Os estudantes participaram da mobilização realizando uma greve de fome junto com alunos secundaristas dos bairros Santo Antônio e Maringá. O protesto foi realizado em frente a catedral da cidade, no período de Corpus Christi e durou 48 horas.   

Marilene Simone Rocha atuou na criação do grupo de agricultura alternativa
AGRICULTURA ALTERNATIVA - Outra bandeira defendida pelo D.A.L.A foi a discussão sobre a agricultura alternativa que levou, segundo a ex-aluna e militante do diretório, Marilene Simões da Rocha, a criação de um grupo que debatia sobre o uso de agrotóxicos e fertilizantes nos alimentos. Os experimentos foram realizados na Famesf e no bairro Country Club, em juazeiro. “A partir desse contato chegamos até o pessoal da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para realizar a análise de solo. E foi assim que depois tivemos a oportunidade de fazer estágio nessa empresa”, relatou.

NOVOS RESIDENTES- Em 1985 a ditadura militar estaria chegando ao final. Na Famesf uma nova turma de alunos passou a circular nos corredores da instituição e o desejo por melhorias continuava. As pautas não divergiam das turmas anteriores: universidade pública e gratuita, melhores condições para as aulas práticas e reforma da residência estudantil.

Os ex-alunos José Welito Mendes dos Santos, conhecido como Zumbi, e Carlos Neiva foram presidente e vice, respectivamente, do D.A.L.A. Durante o curso, os dois alunos foram residentes na Famesf. Zumbi foi eleito presidente no período em que ainda era fera na Universidade. Segundo o ex-aluno, a reforma da residência foi realizada após protestos. “Foi uma luta muito forte para que fosse feita a reforma. Nosso objetivo era ter um ambiente confortável para que o aluno tivesse um bom rendimento em sala de aula”, explicou.

Ex- aluno da Famesf Carlos Neiva relembrou o período de retomada do jornal Tiririca
Para Carlos Neiva, viver nas residências foi um momento de enriquecimento de vida e profissional.  “Nas residências viviam 14 alunos de diferentes cidades, com idades de 18 a 21 anos. Passamos a conviver com a diversidade de pensar de cada um, com o jeito de ser, a individualidade e assumimos responsabilidades. Foi uma experiência importante para a nossa formação”, contou o ex-aluno.


D.A.LA HOJE- Atualmente a diretoria do D.A.L.A é composta por dez alunos do curso de Engenharia Agronômica do DTCS da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). O Departamento abriu espaço para novos cursos e novos Diretórios surgiram. De acordo com o presidente do D.A.L.A, Ary Diógenes Paiva, o Diretório tem como principais propostas atuar junto com os Centros Acadêmicos dos cursos de Direito e Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia, além de pensar formas de integração dos feras, discutir reformas no calendário acadêmico e questões relacionadas a recursos para a compra de livros para a biblioteca.

A principal conquista do Centro Acadêmico do Curso de Direito, com o apoio dos demais Diretórios e a direção do DTCS, este ano, foi a assinatura do termo de mobilidade discente na Uneb, onde estudantes das Instituições de Ensino Superior poderão cursar componentes curriculares em qualquer Instituição da região do Vale do São Francisco.

E A LUTA CONTINUA – O embrião de todo o histórico da Famesf surgiu do entusiasmo de estudantes que faziam o terceiro ano em uma escola técnica em Juazeiro, provocados pelos próprios questionamentos de pensar como seriam seus destinos após o término do curso e somado ao apoio de autoridades locais, professores, profissionais da área de agrárias, além da população Juazeirense. Após a reforma das Universidades que ocorreu em 1997, a nomenclatura Famesf mudou para DTCS.

A força estudantil junto com os diferentes diretores que atuaram na Famesf e no DTCS ajudaram a concretizar e mudar o cenário do Departamento. Hoje a Instituição conta com os cursos de Engenharia Agronômica, Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia e Direito;  37 projetos de pesquisa e extensão; 14 laboratórios; novo prédio para residência estudantil; novo prédio onde funciona o curso de Engenharia de Bioprocessos; melhores condições para a prática em campo, mestrado com concentração na área de Horticultura Irrigada e o mestrado em Ecologia Humana com a primeira turma realizada em Juazeiro já no semestre letivo de 2016, além de outras reformas que estão sendo realizadas para o benefício de todo o corpo discente.

E o sonho dos alunos que lutaram e acreditaram nas mudanças, no período da Famesf e no DTCS se tornou realidade. As gerações que passaram por essa Instituição refletem os mesmos desejos e anseios. A satisfação, orgulho e entusiasmo desses alunos, que participaram desses momentos marcantes podem ser percebidos em cada momento em que essas histórias são relatadas.  E a luta continua...

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