sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Perfil

Famesf e o pioneirismo de Hylânia Duarte


Texto: Tamires de Lima
Fotos: Tamires de Lima e Arquivo do DTCS
Núcleo de Comunicação do DTCS/UNEB Campus III









A placa dos formandos 2015.1 do curso de Engenharia Agronômica do Departamento de Tecnologia e Ciências Sociais (DTCS) da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em Juazeiro, está localizada próximo ao auditório principal de eventos da instituição e exibe fotos e nomes de vinte quatro estudantes.

Mulheres e homens dividem praticamente o mesmo percentual da lista, mas, ao se deparar com essa placa de formatura, ninguém imagina que há exatos cinquenta anos, em 1965, apenas uma mulher, a jovem Hylânia Duarte, integrava a turma de alunos que recebeu os primeiros diplomas do curso de Agronomia da região, quando o Departamento ainda era Faculdade de Agronomia do Médio São Francisco (Famesf).

O baixo quantitativo de mulheres estudando na Famesf prosseguiu durante décadas e um dos motivos apontados por Hylânia Duarte hoje, aos 76 anos, é que o curso de Agronomia sempre foi considerado, por muitas pessoas, como uma área restrita ao público masculino. A ex-estudante da Famesf também relembra que na década de 60 não era tão comum as moças das cidades de Juazeiro e Petrolina ingressarem em cursos de nível superior.

“Terminado o ginásio, atual ensino fundamental II, você entrava no ensino clássico, que era um curso mais voltado para línguas, ou no científico, que era voltado para o vestibular, com disciplinas de física, química e matemática. E tínhamos também o curso pedagógico, o qual era o destino de todas as moças da época: formava no pedagógico, casava e assim encerrava a carreira artística”, conta Hylânia, em tom de brincadeira.

A paixão pela natureza, o campo, as plantas, e a terra foi o que levou a menina a prestar o vestibular para o curso de Agronomia da Famesf. Com a aprovação, ingressou em 1961, aos 22 anos, se tornando a primeira mulher a estudar nesta faculdade. “Nesse período, a minha mãe teve muito medo. Já o meu pai, achava um sucesso. Vibrava. Ele tinha o maior prazer em dizer que eu era agrônoma, que eu estudava”, anima-se ao lembrar, também vibrando junto à memória dos pais.

Com um tom de voz mais sério, a ex-aluna da Famesf constata que a sua entrada no curso de Agronomia foi responsável pelo rompimento de alguns paradigmas. “Eu acho que foi importante para a região, uma vez que a gente quebrou o tabu, não é? Mulher não podia fazer nada, não tinha liberdade, nem de pensamento e eu mostrei que a gente podia tanto quanto os homens. Abri as portas para as colegas mulheres, porque quando entra uma já facilita, já viu que deu certo. Tanto que na segunda turma, já ingressaram duas meninas. Na minha turma, éramos vinte e cinco alunos. Vinte quatro homens e eu”, relatou.

Hylânia e os seus colegas, que integravam a primeira turma da Famesf, assistiram às primeiras aulas no prédio da Sociedade Beneficente dos Artífices Juazeirenses, espaço onde fica atualmente o colégio Dr. Edson Ribeiro. Mas, ainda na década de 60, a faculdade foi transferida para o lugar onde se localizava o antigo Horto Florestal, hoje é o DTCS.

Sentada em uma das salas da faculdade, a mulher de cabelos loiros e óculos escuros fala do quanto a estrutura do lugar mudou desde o período em que começou a estudar Agronomia na instituição. “Aqui cresceu muito com relação à tecnologia. Nós não tínhamos laboratórios, então precisávamos sair da cidade justamente para algumas aulas práticas. A gente ia à Feira de Santana para ter uma aula de zootecnia, à região de Alagoinhas para ter aula de fruticultura e a Arco Verde, em Pernambuco, para ver a parte de tecnologia de alimentos”, conta.

A lembrança desse período também traz à memória de Hylânia os momentos em que ela passou na Faculdade desenvolvendo tarefas que não faziam parte da formação exigida pelo curso. “A partir do momento em que eu entrei na Famesf, participava de tudo. Eu era a secretária do diretório acadêmico e nós nos comunicávamos com a União Nacional dos Estudantes (UNE). Até hoje eu tenho o brochinho da UNE”, recorda saudosista.


A ex-aluna torna-se professora da antiga Famesf




Hylânia foi aluna da primeira turma da Famesf  e anos depois
 retornou à faculdade como professora do curso 


Após se formar na Faculdade de Agronomia do Submédio São Francisco (Famesf), Hylânia Duarte fez concurso para a Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária de Pernambuco, onde trabalhou como Engenheira Agrônoma a partir de 1973. Após cerca de oito anos, tornou-se chefe do Posto de Fruticultura, se dedicando à produção de mudas frutíferas e, logo depois, chefe regional do Departamento de Produção Vegetal, onde fez trabalhos com produção de sementes e mecanização agrícola.  

Os relatos de Hylânia sobre o período em que esteve no mercado de trabalho mostram que ela também foi pioneira na atuação como agrônomana região. “Fiquei como chefe regional da vigésima quarta residência, em Petrolina, que abrangia as regiões de Afrânio, Lagoa Grande e me parece que Orocó. Lá também não tinha outras mulheres trabalhando, era só eu. Isso foi por volta da década de 80. Foram uns nove anos como chefe regional e saí quando mudou o governo, mas continuei lá como agrônoma. Foi nessa época que eu ingressei na Famesf como docente e fiquei trabalhando vinte horas aqui e vinte horas lá”, comenta.

Hylânia Duarte retornou à Famesf como professora em março de 1983, ano em que a faculdade tornou-se sede do Campus III da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), após ter sido incorporada a Superintendência do Ensino Superior do Estado da Bahia (SESEB), em 1980. Mas só em 1997 a nomenclatura da faculdade seria modificada, tornando-se Departamento de Tecnologia e Ciências Sociais (DTCS).

Na década de 80, Hylânia já percebia o aumento no quantitativo de mulheres na instituição, tanto de professoras quanto de alunas. “Quando eu cheguei aqui para ensinar já tinha muitas professoras mulheres como Fátima Pontes e Conceição Padilha. Todas elas se formaram e ensinaram aqui. Também já tinha um número razoável de meninas estudando, com um percentual de mais ou menos 30% da turma e depois foi aumentando”, fala.

Na volta às salas de aula como professora da instituição, a prática exercida como Engenheira Agrônoma tornara-se para Hylânia uma das principais bases que passava aos alunos. “Na hora de plantar, os alunos diziam: Ah não! A gente já sabe! E aí, quando chegava a parte prática, diziam: Ah! É assim? Foi uma época muito boa. Eu sempre gostei muito”, lembra.

A famesfiana era responsável pelas disciplinas Agricultura Geral e Agricultura Especial, que depois passaram a se chamar Agricultura I e II. Após a reformulação da grade do curso de Agronomia, essas matérias ganharam o nome de suas respectivas culturas. “Uma disciplina trabalhava com feijão, milho e arroz e a outra com algodão, cana de açúcar e mandioca. Por sinal, os meninos saíam das minhas disciplinas e já iam para o estágio. Eles cursavam essas disciplinas quando já estavam perto de concluir o curso”, conta.

A professora aposentada, de aparência bem mais jovem do que realmente consta no registro de nascimento e mãos visualmente delicadas, surpreende ao contar algumas histórias de quando foi professora. “Comigo todo mundo trabalhava na enxada. Aí tinha um aluno que vinha todo arrumado, de sapato. E eu dizia: menino, você veio hoje digno do que eu tenho pra você. E ríamos. Agora quando ele me encontra é tanto beijo, tanto abraço. Ainda há um carinho muito grande deles comigo e meu com eles. Nunca tive nenhum problema”, conta transbordando entusiasmo.  


Hylânia Duarte foi professora da faculdade até o ano de 2009, quando então se aposentou. Hoje, com quase 80 anos, duas filhas e quatro netos, faz pilates e caminhada, mas não mais desenvolve atividades no campo. Entretanto, se você encontrá-la para falar sobre Agronomia ficará contagiado com o seu sorriso saudoso de menina, aquela que tanto como aluna quanto como docente viveu dois momentos importantes da história da Famesf.

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